terça-feira, 12 de julho de 2011

Contos do cupim- Aspectos um Crime - CAP. FINAL Pré-disposição

Pré-disposição

O que mais torna este caso complicado é o fato de José ser um ex-presidiário, que por insistência de minha mulher resolvi ajudar num programa federal de ressocialização de ex-detentos, coincidência ou não José foi condenado por tentativa de furto em um deposito de alimentos, que fica no centro de Freitas Neto. Eu sempre botei esses pilantras atrás das grades, que é o lugar deles, mas depois de trinta e cincos anos de poder judiciário resolvi fazer este sacrifico de tentar ressocializar o detento José da silva, não sei o que levou ele a tentar roubar aquele deposito, porém o condenei a um ano e seis meses de prisão de segurança mínima, pena que podia ser revertida em trabalhos comunitários. José já cumpriu a pena, porém resolvemos ficar com ele trabalhando na casa pelo tempo que ele quiser, até ontem, quando Julia minha esposa veio com a notícia do sumiço do tão valioso anel. Depois da exposição dos fatos acho que é hora de ouvir o réu, com a palavra o senhor José da Silva:

- Primeiro doutor juiz eu quero te pedir desculpas, por ter abusado da confiança do senhor e de sua família. O senhor confiou em mim, quando todos só queriam me escorraçar, me deu uma casa para morar, me tratou como um filho, me deixou conviver com sua esposa e sua filha e eu o desrespeitei. Por isso confesso que fui eu quem roubou o anel, tinha dividas de jogo e precisava do dinheiro, foi isso Juiz!

- Então é só esperarmos a viatura da policia chegar para levá-lo de volta para a prisão e agora não serei eu quem o julgará, José serás julgado por juizinho recém-empossado doido para fazer sua carreira em cima de ladrõezinhos como você.

- Pai o senhor não acha, que chamar a policia é muito radical, é só um anel pai.

- Minha filha, não é o anel em si e sim o furto, sou um juiz não posso deixar que se pratique um crime dentro de minha própria casa.

- Pai o senhor esta sendo intransigente prepotente e sem coração.

- Calma minha filha não fale com o seu pai assim!

- Tudo bem Julia não importa o que Laura fale o fato é que ele pegou o anel e por isto será preso por bom tempo.

- Pai você não pode prender o José!

- Por que Laura?

- Por que não foi ele!

- Como pode dizer isso! Ele já fez isso uma vez e foi preso e agora será preso de novo.

- Não pai, não foi ele! E da primeira vez que ele entrou no deposito foi por que sua mãe e seu irmão menor estavam em casa morrendo de fome e ele então tentou pegar algumas sobras, que com certeza estragaram e foram jogadas no lixo.

- Laura não precisa me defender, eu já confessei é melhor assim!

- Isto minha filha admito, que naquela época teria algumas situações atenuantes, mas agora eu não vejo desculpas para ele ter feito o que fez Laura!

- Pai eu já disse que não foi ele!

- Então quem foi filha?

- Laura não fale nada para seu pai eu já confessei!

- Pai fui eu, quem pegou o anel da vovó!

- Filha por que voce pegaria o anel de sua avó?

- Por que estou gravida e queria fazer um aborto!

- Aborto! Por que quem é o pai?

- Sou eu Doutor!

- Laura você vai ter um filho do José filha!

- É pai eu sabia que o senhor não iria aprovar por isto resolvi fazer o aborto.

- Então era isso que você tanto discutia com o José no quintal

- Sim Doutor, eu não queria que ela tirasse o nosso filho, sou pobre, mas sou trabalhador e pretendo trabalhar para continuar dando o mesmo nível de vida, que o senhor dá a ela.

- Filha você quer ter este filho?

- Claro pai! É o que mais quero.

- E o José, você o ama filha?

- Muito pai, o José é um homem honrado, meigo inteligente e me ama de verdade.

- Tenho certeza disso filha, pois apenas um homem que ama uma mulher de verdade, faria o que ele fez hoje.

Depois de trinta e cinco anos de judiciário, fui descobrir em minha própria casa, o verdadeiro significado da palavra justiça, por que hoje foi cometido um crime aqui, mas não pelo José e sim por mim, pois deixei o preconceito obscurecer minha visão e se minha filha não tivesse aberto meus olhos, teria feito uma grande injustiça, os mentores do código penal brasileiro tem muito que aprender com a vida, pois na vida real a somatória de alguns míseros fatores, como motivo, oportunidade e pré-disposição, não são o bastante para se condenar um ser humano.

Fim

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