sábado, 16 de julho de 2011

Contos do Cupim - O último Desafio



O Último Desafio

Domingo à tarde os casais se dirigem para as praças e parques da cidade, procurando um pouco de diversão. A ver os casais entrando num desses parques, me lembro da minha derradeira incursão por um desses estabelecimentos de diversão com brinquedos motorizados, que testam a nossa coragem e tem com maior característica o perigo. Criado no subúrbio carioca, desde muito novo, minha macheza já era visível e notória desde jovem. Mas nem sempre foi assim, quando pequeno era diferente dos outros meninos, gostava de brincar com bonecas, pular corda, entre outras brincadeiras de menina. Porém filho de militar tive de aprender a gostar dos brinquedos que recebia de meu pai, tais como: revolveres, espadas, carrinhos de bombeiros, essas coisas que todo o garoto aprende a gostar de cedo. No carnaval era sempre a mesma coisa, eu queria me fantasiar de odalisca, Carmem Miranda, Marilyn Monroe, Etc... E meu pai sempre vinha com fantasias de índio, policial, militar, Etc... Na adolescência conheci uma turma, que estudava comigo no colégio militar, mas só queriam saber de zoar. Apesar de dá muito gosto a meu pai, que sonhava me vê fardado, continente a uma instituição de renome e tradição no espírito de disciplina e honra, que para ele só era concernente ao corpo de infantaria do Exército Brasileiro. Ele não ficou surpreso, quando larguei a vida de militar e fui trabalhar em uma repartição pública como escriturário. Coincidência ou não, quase todos os meus amigos de fanfarras e balburdias também optaram por uma carreira menos marcial. Contudo começamos a fazer além das festas, alguns concursos e disputas. Na maioria das vezes as disputas eram para ver quem tinha mais coragem. O que deixava meu pai super orgulhoso de mim. Preservando assim, a gorda mesada dada por ele, que custeava as minhas incursões pelo mundo da macheza.

Eu e minha turma disputávamos em tudo, testávamos nossa coragem sempre que podíamos. Eram viagens de aventura, festas de final semana inteiro, bebedeiras intermináveis, desafios de vídeo game, Etc... Mas era no parque que as coisas ficavam realmente feias, o brinquedo preferido da turma, era formado por uma marreta e um pino, batíamos nesse pino e quem o levasse ao lugar mais alto, vencia. Quem perdia, pagava para todos. Apesar, das festas, do trabalho e dos amigos. Sentia que algo estava errado em minha vida, queria mudar, fazer algo diferente, mas não sabia exatamente o quê. Nesta época ficamos sabendo da construção de uma nova Montanha Russa num parque muito famoso nas cercanias de onde morávamos. O alvoroço foi geral, a turma queria saber quem seria o primeiro a testar aquele espetacular aparelho de torturas.


Marcamos no final de semana subsequente ao término da construção do tal brinquedo e abertura dos portões. Entramos no parque muito animados, nos dirigimos diretamente para a fila. Só quando me aproximei pude contemplar aquela obra faraônica, suas curvas, subidas e descidas, só poderiam ter brotadas de uma mente doentia. O trajeto do carrinho começava com uma grande subida seguida de uma descida maior ainda, depois dois loopings, seguidos de uma espiral dupla, mais algumas curvas e o retorno. Durante todo o período de espera na fila brincamos, falamos alto, uma encarnação só. Mas o clima começou a mudar quando nos aproximamos da entrada do brinquedo. Antes de sentar no assento do carrinho toda a minha vida passou pela minha cabeça e as lembranças pipocavam como bolhas na lava. O medo era enorme, mas a vontade testar meus limites era maior. Respirei fundo e entrei na montanha russa Monte Aconcágua, o carrinho subiu. Até aí tudo bem! A descida foi aterradora, mas segurei a barra! Logo depois veio o primeiro looping, seguido do looping reverso, que quase acabou comigo. O percurso já estava na metade e coisas estavam indo apertadas, mas estava dando para segurar. Já estava até ficando aliviado, mas então veio o espiral duplo. Nesta hora eu pensei a onde estaria o dono da mente doentia que projetou este monumento à idiotice coletiva humana. Meu coração batia forte, prendi a respiração ao entrar na primeira curva espiralada, o carrinho deu a primeira volta e pareceu-me uma eternidade os momentos que fiquei de ponta a cabeça, mas passou. Aliviado soltei a respiração e mesmo antes de terminar começou a segunda curva, o carrinho subiu e meu corpo subitamente ficou solto no ar.

O pânico tomou conta de mim, acho que a minha pressão baixou, a vista ficou turva e lá do fundo da minha alma veio um grito, que começou no final da curva, e só acabou muito após o freio do carrinho já na saída do brinquedo. Quando dei por mim, as pessoas, agora já fora dos carrinhos, me olhavam de uma forma estranha. Só aí percebi que tinha embichado. Descontrolado saí correndo do tal brinquedo, mas deixei minha macheza no segundo espiral da Montanha Russa Monte Aconcágua. Não me arrependo daquele dia, a minha repartição perdeu um letárgico escriturário, chamado Luiz Paulo. Meus amigos perderam um ataráxico companheiro de aventuras, que atendia pela alcunha de Paulão. Mas o mundo ganhou um exuberante transexual! A maravilhosa do Selma do Aconcágua.

São João de Meriti, RJ, 12 de novembro de 2007.

Valdemir Costa





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